sábado, 28 de agosto de 2010

O Cerrado Paulista

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Maria Mole do Brejo
Quem circula pelas estradas próximas a Araçatuba e Presidente Prudente, no noroeste do Estado de São Paulo, por Botucatu, Marília e Bauru, já na região central, ou mesmo por Campinas, em direção à capital, costuma ver uma paisagem com árvores de troncos tortuosos e de folhas grossas, que lembram esculturas barrocas. Chamado injustamente de mato, esse é o Cerrado, vegetação associada ao Centro-Oeste brasileiro, mas que atravessa o território paulista e chega ao norte do Paraná.
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Considerado ponto crítico para a preservação da biodiversidade, o Cerrado brasileiro encontra-se muito fragmentado e degradado pelo avanço das cidades, da agricultura e da pecuária. Em São Paulo, ocupa apenas 1% da área do Estado (248,8 mil km2), da qual já cobriu 14%. E só 18% do que resta é protegido por 32 unidades de conservação e de reserva legal. O problema é sério. Está ameaçada não apenas a biodiversidade, mas também os estoques do Aqüífero Guarani, uma das maiores reservas de água subterrânea do mundo. Com a substituição da vegetação nativa por agricultura, os agrotóxicos e adubos podem chegar ao solo profundo e contaminar o aqüífero.
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Berçário de rios - Segundo ecossistema brasileiro mais extenso, depois da Amazônia, o Cerrado ocupa atualmente 2 milhões de km2, dos quais 700 mil estão sujeitos à ação antrópica (intervenções humanas intensivas), segundo a EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Total ou parcialmente, recobre 11 Estados e três capitais - Brasília, Belo Horizonte e Goiânia. Era a vegetação original da cidade de São Paulo, mas, hoje, os remanescentes mais próximos estão em Juqueri, a cerca de 50 km da capital.
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É no Cerrado - assim chamado por ser um emaranhado de arbustos, herbáceas e árvores muito difícil de ser atravessado - em que nascem as águas das principais bacias hidrográficas brasileiras, a Amazônica, a do Paraná-Paraguai e a do São Francisco. É também o ambiente próprio do buriti (Mauritia vinifera flexuosa), uma palmeira que cresce às margens de rios, e de espécies ameaçadas de extinção, como o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Vivem ali 4.400 espécies endêmicas de plantas, 800 de pássaros, 120 de répteis e 150 de anfíbios, de acordo com um levantamento recente da Conservation International, instituição não-governamental que no ano passado contribuiu para que o Cerrado brasileiro fosse incluído entre os hotspots (áreas críticas) do mundo.
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Aproxima-se de 80 o número de espécies típicas do Cerrado com potencial econômico, enquanto outras 100 podem ter uso medicinal. Um estudo em andamento na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara indica que as plantas do Cerrado podem ser a fonte de medicamentos contra fungos, tumores e a doença de Chagas.
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Paisagem inspirou literatura e música
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As paisagens do Cerrado têm inspirado artistas na literatura e na música. Segundo o docente da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP Luiz Gonzaga Marchezan, campus de Araraquara, nas obras dos escritores Afonso Arinos e João Guimarães Rosa, além do buriti, as paisagens destacam o chão de areia, árvores tortas, arbustos, um cenário de savana tropical rica em bichos e plantas. "Aluno atento dos sertanejos, Guimarães reconhecia de longe espécies típicas do bioma, como imbaúba, barbatimão, pequizeiro, barriguda, jatobá e taquari", analisa Marchezan.
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O Cerrado já foi também exaltado na MPB pelas vozes de Gilberto Gil, Nara Leão, Zé Ramalho, entre outros. "Já sentiram das planícies orvalhadas o cheiro doce das frutinhas muçambê? Já experimentaram a guabiroba bem madura?", canta Nara Leão, em Penas do Tiê.
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Fontes: Pesquisa Fapesp e Jornal UNESP
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